Eu devia ter mais ou menos sete anos. Voltávamos todos os dias da escola, de bonde, eu e meu irmão mais velho. Certa vez, já perto de casa, meu irmão viu uma expressão desconhecida, intrigante, pichada no muro. Ao chegarmos em casa, pespegou:
- Mãe, o que quer dizer "buceta da mãe"?
Ah, praquê? Levou surra de cinta. Talvez, nesse dia, ele tenha perdido a vontade de fazer perguntas. Eu, que também fiquei escaldado, só depois de muito tempo aprendi o significado daquelas palavras, rabiscadas – melhor diria gritadas – em letras grandes, no muro. Significavam: "abaixo a censura".
Há diversos tipos de censura. Ela é uma hidra, com várias cabeças. Cada uma dessas cabeças, que preferem permanecer escondidas, foi sendo iluminada, posta a nu, e denunciada, em momentos diferentes da história. Ao surgir a ocasião de escrever este livro pensei, inicialmente, em fazer uma relação cronológica dessas denúncias: mostraria a cobra e o pau. Mas em seguida veio a ideia de contar, a história da censura, como ela realmente é: uma história policial. Assim, os três primeiros capítulos mostram três casos em que a censura ataca silenciosamente, sub-repticiamente, e com a cumplicidade das próprias vítimas (esse fato, aliás, foi um complicador das investigações). Os investigadores que saíram atrás do vilão não foram Sherlock Holmes, ou James Bond. Como eles trabalhavam em equipe – embora, às vezes, um ignorando a existência do outro – vou dar apenas o nome dos principais: Sigmund Freud, Émile Durkheim.
No quarto capítulo, depois de haver desvendado os três mistérios, e percebendo que o vilão era um só, esses detetives explicam como solucionaram cada caso; identificam o facínora, revelam como agiu e esclarecem porque é que foi ajudado pela própria vítima. Sem prejuízo do desfecho, podemos antecipar que foram usados como arma, contra as vítimas, principalmente os seus hábitos intelectuais, as suas aferradas crenças. É por isso que, na história da humanidade, nos momentos em que a censura tornou-se epidêmica, o antídoto contra o dogmatismo e o fanatismo foi sempre uma dose de tolerância, ou de salutar ceticismo.
Nos casos dos capítulos cinco, seis e nove, a censura agiu menos ocultamente, ao nível da consciência e, senão do conhecimento, da desconfiança pública. Mas para isso – e inclusive para encobrir a própria vergonha – precisou justificar-se, oferecer razões que legitimassem o seu comportamento perante a religião, a moral, o Direito e a política. A censura se institucionaliza, busca suporte no poder do Estado. Assim, a lei entra em cena, para permitir que a censura possa agir sob a capa do bem comum. E volta a entrar em cena – fazendo o jogo duplo que é característica de sua natureza – para proclamar o direito às liberdades de imprensa, de pensamento e de manifestação. Se a censura, nesses episódios, utiliza o prestígio do Direito, não há como persegui-la e denunciá-la, caso a caso: as defesas em juízo jamais põem em xeque o sistema, antes ajustam-se à mecânica interna do próprio sistema. Assim, os nossos detetives, com relação a esses capítulos, não são aqueles que funcionaram caso a caso, mas os que, de fora do sistema, criticaram-no como um todo. Em todas as vezes, alguém não quis que chegasse, alguma coisa, ao conhecimento de outro alguém; e agiu para proteger-se, ou, alegadamente, para proteger o outro. Se falássemos como penalistas, diríamos que o valor em jogo é o conhecimento e que o resultado do crime é a ignorância.
Os casos referidos nesses capítulos são apenas casos exemplares: poderiam ser mencionados muitos outros, tantos quantas sejam as casas, as cidades, as pessoas, os dias e as horas de suas vidas. Se você não conseguir acompanhar essa história policial será defeito do narrador e não porque lhe falte interesse. Porque a vítima, afinal de contas, é VOCÊ.